O que é harmonização?
Por Chef Henrique Burd
Leia também:
Como escolher um vinho? por Chef Henrique Burd
Qual a diferença entre o Enólogo e o Enófilo? por Chef Henrique Burd
Rondelli Natalino por Chef Henrique Burd
Para quem aprecia vinhos, esta é a atividade mais complexa e prazerosa: combinar e provar até acertar
Podemos dizer que o que é bom pode melhorar e o que é ruim pode piorar. A harmonização é um desses aprendizados que podem fazer o que é bom ficar ainda melhor e o que não é quase passar despercebido.
Harmonizar, no mundo da enogastronomia, é combinar os sabores dos alimentos com as características dos vinhos, buscando a melhor parceria possível, para que essa seja uma experiência que inspire e agrade nossos sentidos.
Para fazer essas combinações, é necessário termos em mente alguns conceitos, sendo um dos mais importantes lembrar do sabor e da intensidade dos vinhos e do que está mais aparente em um prato.
Por conta desses fatores, que necessitam de uma boa memória tanto olfativa quanto gustativa, é que muita gente acredita que harmonizar é muito difícil. Porém, não é tão complicado assim. É mais uma questão de prática.
As pessoas que apreciam os vinhos em geral sabem do que gostam e pedem assim: Malbecs argentinos, espumantes brut brasileiros, Chardonnays americanos e, da mesma forma, sabem seu prato preferido em cada tipo de restaurante, seja a massa com frutos do mar, a carne grelhada ao ponto ou o sashimi de atum gordo.
Mas, se prestarmos um pouco de atenção, iremos perceber que apreciamos esses vinhos e esses pratos por suas características únicas: o frutado e final doce dos Malbecs argentinos, a acidez e frescor dos espumantes brut e a untuosidade e o corpo dos Chardonnays com madeira. O mesmo vai acontecer com os pratos. O tempero, a combinação de gordura, carboidratos, a riqueza de sabores estão entre os fatores que nos atraem em uma preparação mais do que em outra.
No entanto, esses processos de apreciação são quase todos inconscientes, quer dizer, escolhemos e pedimos quase sem pensar. Mas, quando se trata de harmonizar, é preciso pensar um pouco antes, trazendo da memória aquilo que já armazenamos.
Da mesma forma que quando entramos em um novo emprego queremos saber quem é nosso superior hierárquico, quando vamos combinar um prato com um vinho precisamos saber o que deve predominar.
Se for uma massa, em geral a base de trigo e ovos é irrelevante, enquanto o molho é que vai dar o sentido de como iremos combiná-lo com um vinho.
A mesma coisa pode ser dita das carnes: um medalhão de filé mignon grelhado apenas com sal e pimenta moída na hora pode ser complementado muito bem por um Cabernet ou Malbec. Mas, se ele tiver um molho cremoso de queijo, podemos até pensar em um Chardonnay.
Dessa forma, para harmonizar, é essencial saber o que prevalece no prato.
Algumas perguntas simples auxiliam: é servido quente ou frio? Leva pimenta fresca ou alho ou gengibre? Leva ervas frescas ou secas? O molho tem queijos ou leite? A carne é gorda ou magra? O cozimento é rápido ou lento? Mesmo nas sobremesas, é necessário saber se o açúcar prevalece, se é a fruta, se existe creme na preparação ou chocolate, se tem acidez…
Cada uma dessas respostas vai abrir uma possibilidade, e são elas que vão auxiliar na busca pela melhor combinação.
Ovos e sardinhas são alimentos difíceis de combinar, assim como couve, aspargo, alcachofra, que possuem muitos minerais em sua composição
Os dois grandes estilos de harmonização trabalham em linhas aparentemente opostas. Um deles determina que devemos buscar sabores complementares/ similares. Ou seja, para uma sobremesa, um vinho doce, pois o açúcar atrai o açúcar. O outro estilo é o de opostos, como um molho rico e cremoso com um vinho ácido, seco. Na verdade, esses dois estilos buscam harmonizar a bebida e o alimento, fazendo dessa uma experiência única.
Uma boa memória gustativa ajuda na hora de pensar em combinações entre pratos e vinhos.
Uma regra fácil para começar a pensar em similares ou opostos é lembrar de elementos básicos como acidez, amargor, doçura, quantidade de álcool e de gordura, pois serão eles os determinantes da escolha.
Um exemplo simples é o seguinte: o espaguete com ervas frescas e azeite encontra seu par em um Sauvignon Blanc com as mesmas características herbáceas, harmonizando-se por similaridade.
Já esse mesmo espaguete com ervas e azeite também poderá funcionar com um Cabernet Sauvignon jovem e pouco amadeirado, pois sua acidez cortará a gordura do azeite e as ervas encontrarão sabores semelhantes e contrastantes, em uma harmonização por opostos.
Ainda que “harmonizar” seja uma palavra positiva, alguns alimentos parecem não querer participar desse processo tão agradável.
O motivo, claro, são suas características únicas.
Sardinhas, por exemplo, são ricas em elementos químicos que fazem bem à saúde, como o Ômega 3, mas, se combinadas com um vinho tinto, revelarão um desagradável sabor metálico – ocorrerá o mesmo com alguns alimentos que contêm grandes quantidades de minerais em sua composição, como a couve, os aspargos, a alcachofra e alguns tipos de cogumelos. Esses minerais tendem a se manter presentes em muitas preparações, dificultando a combinação com os vinhos. Ovos também são um problema para a harmonização, principalmente em pratos salgados.
Assim, é importante levar essas informações em consideração para que um belo vinho não seja arrasado por um prato ou vice-versa, situação pela qual todos nós já passamos em algum momento, a ponto de chegarmos a pensar que um dos dois estava ruim (o prato ou o vinho), quando, na verdade, ruim foi a harmonização.
O melhor de toda essa história é que, para virar craque, é necessário provar muito, determinar as peças-chave do alimento e do vinho e testar as combinações. E nunca se esquecer de que isso tudo é para ser divertido, uma experiência sensorial e não uma obrigação.
SOBRE O AUTOR
Henrique Burd – Chef de cozinha do Ateliê da Cozinha, especializado em cozinha internacional, consultor e adora criar pratos diferentes.
BLOG PITACOS CULINÁRIOS